Maria Simone Da Cruz

 

Secretária da Corregedoria Geral da Defensoria Pública

 

Uma pausa no trabalho para voltar um pouco no tempo. Ou melhor, 24 anos atrás, mais precisamente, em 02 de abril de 2001. Foi lá, que ainda com 21 anos adentrava pela primeira vez às portas da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Quem olha para a Defensoria hoje talvez não consiga imaginar como ela começou: pequena e sem estrutura ou apoio. No entanto, Simone Cruz lembra bem. A atual secretária na Corregedoria Geral  coleciona lembranças de quem viu o crescimento manso da instituição mais nova do sistema de justiça.

Sem nenhuma experiência profissional e nem conhecimentos sobre direitos fundamentais, foi na Defensoria Pública que Simone cresceu profissionalmente e como ser humano. Era recepcionista quando chegou e, até hoje, o telefone está gravado na memória e sai da sua boca facilmente. Daquele posto, traz como legado a empatia e a humanidade, cingidos entre tantos desabafos de quem escuta tantas histórias sobre a busca por justiça.

Defensoria: Como foi seu primeiro dia na Defensoria? O que ficou gravado na memória?

Simone:

Como todo emprego, a gente chega assim um pouco apreensiva. Quando eu entrei na Defensoria, eu era jovem, estava com 21 anos. Aqui foi o meu primeiro emprego e continuo até hoje. No início a Defensoria era um prédio. Na realidade uma casa pequena, com pouco espaço, poucos colaboradores e defensores. Nós tínhamos muita dificuldade no trabalho, que era tudo praticamente feito manual. Entrei para ser telefonista, ficava na recepção, e a gente fazia todo o trabalho de informação em dois telefones que até hoje eu consigo me lembrar até hoje. Era 348-893-00, 348-993-01.


E todas as informações da Defensoria eram passadas por nós. Na recepção, a gente dava informação de documentação, questão de horário, de atendimento. Era uma recepção diferenciada, porque além de atender o público que procurava a Defensoria, a gente encaminha as petições, no caso, tudo via correios. A gente fazia tudo manual. Enfim, eram muitos trabalhos na recepção. Todas as contestações que vinham do fórum eram direcionadas para recepção e a gente tinha a responsabilidade de fazer todos os endereçamentos e também enviar, muitas vezes, via fax. Eita, via fax. (risos). Eu caí aqui de paraquedas e pensei: como é que eu vou fazer aqui? No começo, quando o telefone tocava, era meio que desesperador, porque você não sabe o que é que estava vindo, né? Qual era a pergunta, o tipo de atendimento. Então assim o tempo passou e fui aprendendo a cada dia. Foi meio assustador, mas foi muito bom, tanto que eu estou aqui até hoje. E hoje, já com 24 anos de Defensoria, eu posso dizer que a gente cresceu bastante tanto em termos de colaboradores, de defensores quanto da questão estrutural. Hoje, em termos de evolução de trabalho, a gente tem muitas ferramentas que a época a gente não tinha.

 

Defensoria: Em que momento você sentiu que o seu trabalho fazia diferença na vida de alguém?

Simone:

Olha, sinceramente, desde quando eu entrei na Defensoria até hoje, as pessoas que nos procuram, de alguma forma, acreditam na gente, ou seja, elas fazem uma ligação na esperança de resolver um problema. E às vezes, a pessoa chega até um pouco agressiva, nós é que temos que ter essa sensibilidade de entender o outro. Já passei alguns momentos difíceis, da pessoa chegar e dizer assim, o que é que você está fazendo aí? Sou eu que pago seu salário. Então, assim, aí eu tomei um impacto e falei, nossa, eu não acredito que estou ouvindo isso. Mas, mesmo assim eu comecei a escutá-la e dar oportunidade para aquela mulher falar. E ela foi me dizer que o filho dela estava preso e que no momento que ela ia pro presídio, ela sempre tentou com que ele saísse dessa vida e ele sempre voltava. Ela disse que chegava lá para a visita e andava descalça porque tinha que dar a sandália pra ele. Depois de ouvir tudo isso, expliquei que entendia a situação dela e depois ela me pediu desculpa, entendeu? Então isso é muito gratificante, a gente precisa ter essa sensibilidade de ouvir. Você não sabe quem tá do outro lado, que histórias cada um traz e por isso a gente tem o dever de ter essa paciência, né? E isso eu sei fazer, graças a Deus, e gosto.

 

Defensoria: O que te motiva a seguir contribuindo com essa instituição?

Simone:

Eu amo a Defensoria, de verdade, porque se eu te disser o contrário eu estou mentindo, é tanto que eu estou aqui há 24 anos. Quando eu saí da recepção, fui para o Gabinete onde passei um bom tempo. Depois, o Almoxarifado estava numa situação complicada e me disseram que precisava de alguém, então fui lá, fiz todo o trabalho, organizei tudo direitinho e depois me disseram que o Gabinete precisava de mim. Saí do Almoxarifado, retornei ao Gabinete e depois veio a Corregedoria, a fim de ajudar na elaboração dos relatórios e me disseram: tem que ser a Simone. Então, recebi um convite da doutora Benedita, que eu aceitei, estou aqui até hoje. E nesses anos,  me apaixonei pela Defensoria em si. A Defensoria me ensinou muitas coisas na minha vida, certo? Hoje tudo que eu, vamos dizer, aprendi na área do Direito e muitas coisas para a minha vida mesmo, foi a Defensoria que me ensinou isso, entendeu? Então, eu amo a Defensoria de verdade. É tanto que eu não aceito quando alguém chega a falar mal da Defensoria para mim, me magoa bastante, porque eu sei que, claro,  às vezes acontecem algumas falhas, algumas coisas, mas a Defensoria é a esperança de muita gente. Das pessoas que realmente não têm condições, que são vulneráveis. E a Defensoria é isso. Já passei por várias gestões, todas, no meu ponto de vista, tem um pouquinho dessa construção. Cada uma deixa uma semente, porque eu conheço a história da defensoria, eu peguei a defensoria com 4 anos de idade. Um bebê. Ver a defensoria hoje, onde ela está, onde chegou, para mim é um orgulho muito grande. E saber que eu faço parte, que eu vi crescer e torço por ela a cada dia. Quando eu torço pela Defensoria eu to torcendo por mim, pelo pouquinho de cada um. Já teve outros colegas que saíram da defensoria e voltaram para a defensoria. Eu nunca tive esse pensamento. Todo dia eu acordo com muita alegria pra vir trabalhar, porque eu gosto. Me sinto bem. Me realizo ainda hoje.